Vol. 18 Núm. 45 (2024): Revisitando a “Carta Guarani Kaiowá”: repercussões, retomadas.
Onze anos se passaram desde a publicação da “Carta Guarani Kaiowá”, em outubro de 2012, no site do CIMI, um “texto de denúncia de violação dos direitos humanos que maior impacto causou na sociedade brasileira da primeira década do século XXI”, segundo afirmação de Marilia Librandi (2014). Após terem a integridade de seus territórios tradicionais violada por uma série de ações governamentais, jurídicas e privadas ao longo das últimas décadas do século XX, período que coincide com a expansão da produção de soja no Mato Grosso do Sul, os Kaiowá pediam que o governo brasileiro providenciasse a devolução ou os enterrasse de vez na terra em que sempre viveram, já que o seu teko (modo de viver ancestral) havia sido desrespeitado. Tal posicionamento gerou uma verdadeira comoção nacional, desde manifestações em cidades país afora até o poema Totem, de André Vallias, comoção amplificada pela imprensa e pelo uso crescente das mídias sociais. Dois anos depois da publicação, o referido texto de Librandi viria a questionar os paradigmas de inclusão e de exclusão de textos indígenas na formação da literatura Brasileira, e reivindicar que a “Carta Guarani Kaiowá” fosse lida e discutida também como como texto literário. Levando tais fatos em consideração, este dossiê da Revista Raído – publicada no mesmo município em que ainda vive a maioria dos Kaiowá – quer revisitar a “Carta” e as suas repercussões, convidando especialistas em literatura e em questões indígenas a se manifestarem sobre a retomada do território discursivo e analítico sobre a questão Kaiowá e sobre as múltiplas relações entre literatura e cosmologias indígenas. Usamos aqui o termo retomada pensando em tekoharã, nome usado pelos atuais Kaiowá para nomear territórios tradicionais em litígio judicial, litígio que historicamente vem prejudicando os Kaiowá e outros povos indígenas no MS e no Brasil. Assim sendo, esperamos contribuições que também ajudem a pensar que a literatura brasileira também é um território em litígio, no qual as vozes indígenas e afrodescendentes foram muitas vezes silenciadas em nome de conceitos eurocêntricos de literatura.