Chamada Dossiê Monções “Estudos em Conflito e Paz”
Impulsionados pelo receio de uma nova guerra de proporções globais no contexto da Guerra Fria, os anos 1950 marcaram o surgimento de abordagens acadêmicas dedicadas à compreensão das raízes dos conflitos sociais e das múltiplas formas de violência, com o objetivo de promover garantias à paz. Nesse processo, a Sociologia do Conflito buscava analisar as tensões internas às sociedades modernas, seguida pelos Estudos para a Paz, um campo interdisciplinar que não apenas diagnosticava as causas da violência, mas também propunha caminhos para sua superação. Tais estudos consolidaram-se como um empreendimento intelectual comprometido tanto com a análise crítica quanto com a transformação social, inspirando gerações de pesquisadores a pensar a paz além da simples ausência de guerra; e incorporando dimensões como justiça social, equidade e direitos humanos.
Apesar de sua relevância, o debate sobre conflitos e paz tem sido ancorado em perspectivas tradicionais do campo das Relações Internacionais, especialmente aquelas inspiradas em paradigmas da Ciência Política, que privilegiam análises centradas no Estado e no poder militar. Essa visão restrita ignora contribuições fundamentais de outras disciplinas, como a Sociologia, a Antropologia, o Direito, a Economia Política, assim como os Estudos de Gênero, Críticos e Pós-Coloniais, os quais contribuem para ampliar nossa compreensão sobre dinâmicas de violência e resistência em diferentes contextos.
O presente dossiê busca enfrentar essa lacuna, promovendo uma abordagem multidisciplinar e plural, que dialogue com diferentes tradições intelectuais e experiências históricas. Ao fazer isso, questiona narrativas hegemônicas e abre espaço para vozes marginalizadas, incluindo perspectivas do Sul Global, onde os conflitos assumem contornos muitas vezes negligenciados pelas teorias convencionais. A proposta, portanto, é expandir o escopo analítico dos Estudos em Conflito e Paz, além de descentralizar sua produção epistemológica, reconhecendo a importância de saberes locais e abordagens interseccionais.
Ademais, cabe destacar que os Estudos em Conflito e Paz possuem uma longa tradição de institucionalização na Europa e nos Estados Unidos, onde centros de pesquisa e programas de pós-graduação dedicados ao tema já se encontram consolidados. No entanto, nas últimas décadas, observa-se um crescimento significativo desse campo em outras regiões, particularmente na América Latina, África e Ásia, onde pesquisadores têm desenvolvido análises inovadoras a partir de suas próprias realidades históricas e políticas. Na América Latina, por exemplo, o campo tem se expandido em resposta a desafios como violência estrutural, conflitos armados internos, criminalidade transnacional e lutas por memória e justiça em sociedades pós-ditatoriais. No Brasil, embora os estudos de e para a paz ainda sejam incipientes em comparação com outras áreas das Ciências Humanas, há um crescente interesse acadêmico e social em compreender e enfrentar as diferentes formas de violência que marcam o país, desde a desigualdade socioeconômica até a repressão estatal e o racismo estrutural.
O presente dossiê temático visa a fomentar esse debate, contribuindo para a consolidação dos Estudos em Conflito e Paz no Brasil. Ao reunir pesquisas que articulem teoria e prática, análise crítica e proposição de alternativas, busca-se não apenas enriquecer o debate acadêmico, mas também influenciar políticas públicas e ações da sociedade civil voltadas para a construção da paz.
Nesse sentido, convidamos pesquisadores(as) de diferentes áreas do conhecimento a submeterem artigos inéditos que explorem, sob diversas perspectivas, as dinâmicas dos conflitos sociais e as possibilidades de construção da paz. Entre outras temáticas, serão especialmente bem-vindos trabalhos que discutam:
i) teorias e metodologias inovadoras nos Estudos em Conflito e Paz, com especial
atenção à interdisciplinaridade com os campos da Antropologia e da Sociologia da
Guerra e da Paz;
ii) análises de casos empíricos em contextos do Sul Global;
iii) interseções entre violência, raça, gênero, classe e colonialidade;
iv) experiências de resistência, mediação de conflitos e justiça transicional; e
v) o papel de movimentos sociais, organizações não governamentais, instituições internacionais e outros atores políticos não-estatais na promoção da paz.
Ao reunir essas perspectivas, esperamos contribuir para um campo das Relações Internacionais mais plural; e fortalecer o diálogo acadêmico e público sobre um dos desafios mais urgentes de nosso tempo: a construção de uma paz justa e sustentável.
Prazo para recebimento de artigos: 25 de março de 2026
Lançamento do número: dezembro de 2026
Organizadores:
Rafael Antonio Duarte Villa (CCP/USP)
Thiago Babo (CCP/USP)
Camila de Macedo Braga (CCP/USP)
