Universidades em transformação? Tensionamentos e possibilidades a partir de múltiplos saberes

2023-02-26

Envios das contribuições até dia 30 de junho de 2023 e apenas pelo e-mail da revista Ñanduty– revistappgant@gmail.com (com assunto: dossiê 2023-2).

Atenção às regras de formatação para os textos submetidos (constantes em “diretrizes para autores”)!

 

A presença indígena, quilombola, negra, de lideranças, benzedeiras, rezadoras/es, integrantes de comunidades de terreiro, guardas de Congado, entre demais sábias e sábios de povos tradicionais nos espaços acadêmicos, têm produzido diversas provocações como tensionamentos quanto a abertura ao diálogo inter e transcultural nas instituições produtoras de conhecimento, a exemplo das universidades públicas. Ocorrem tensionamentos quando se desestabilizam epistemologias eurocêntricas e aberturas dialógicas quando outras ontologias se apresentam. Na área de Antropologia, as dissertações e teses de autorias indígenas e quilombolas desafiam pressupostos epistemológicos tidos como hegemônicos, promovem descentramentos e inovadoras práticas de pesquisa, partem, ainda, de “propósitos coletivos” como assinalam Gersem dos Santos Luciano (2015: 243) e Marta Quintiliano (2019: 120). Na área da Filosofia, abre-se ao conhecimento de outras formas de pensar, ser e estar no mundo, como, por exemplo, o pensar-vivendo que Sodré (2004) destaca da filosofia nagô, conhecimento de mundo a partir do corpo como potência a ditar os ritmos do viver ao toque dos atabaques e da afirmação enraizada na arkhé dos orixás.

Nas áreas da Educação e do ensino de História, ao seu turno, saberes tradicionais, de matrizes indígenas e africanas, nos espaços acadêmicos e educacionais, lutam pela efetivação da Lei 11.645/2008, a qual, ao tornar obrigatório o ensino das culturas destas referidas matrizes na Educação Básica, enriquece a produção de material didático, dinamizando outras relações de ensino-aprendizagem. As próprias universidades, enfim, tornam-se “objetos” de reflexões e críticas, assim como os conhecimentos nelas produzidos, além dos seus sentidos e efeitos.

Considerando as presenças de múltiplos saberes nas universidades, que os saberes de povos tradicionais e os saberes acadêmicos não são comensuráveis (Carneiro da Cunha, 2009), nem estão isentos de relações de poder - práticas racistas e epistemicidas são constantemente atualizadas (Carneiro, 2005) -, mas que os ‘encontros’ destes (re)produzem transformações nas instituições e fora delas, convidamos os/as interessados/asa compartilharem reflexões e experiências que tratem das relações entre diferentes saberes e seus modos de produção nas universidades ou a partir dos encontros promovidos por elas. Interessa-nos, então, textos que tematizam transformações de práticas e resultados de pesquisa, de ações de extensão e ensino na interface com saberes tradicionais. Por exemplo:

- relatos de experiência de ações extensionistas  como o programa  Encontro de Saberes, ou similar,  que, ao possibilitar que mestras e mestres ocupem o lugar do ensino, promovam experimentações, criações, descentramentos;

- trabalhos de professoras/es indígenas em cursos de Educação Intercultural na proposição de atividades de estágio, trabalhos finais de curso, revisão de projetos pedagógicos, propostas de ensino para as escolas indígenas e discussões sobre interculturalidade;

- artigos em interface com a extensão e o ensino, onde o protagonismo desses atores pertencentes a tradições não ocidentais, contribuam para o aprimoramento de metodologias e aprendizagens na efetivação da Lei nº 11.645;

- textos que avaliem o impacto das políticas de ação afirmativa na graduação e pós-graduação, visto que são um conjunto de ações para ingresso e permanência de estudantes negras/os, indígenas, quilombolas e de baixa renda, que promovem e garantem a presença de diferentes saberes no espaço acadêmico.

- entrevistas, histórias de vida e produções autorais que destaquem o protagonismo e as contribuições de atores e pesquisadoras/es negras, indígenas, quilombolas, de comunidades tradicionais que tensionam e ampliam práticas de pesquisa, formas narrativas e a escrita acadêmica;

- reflexões sobre retomadas territoriais, linguísticas, culturais e como a presença de coletivos negros e indígenas e o incentivo à pesquisa nas universidades têm gerado novos engajamentos que ligam os territórios de origem aos bancos em sala de aula e vice-versa. Estudantes indígenas que retornam para suas comunidades e se envolvem em processos de retomada; documentos e vocabulários de cronistas sendo retomados e pesquisados por coletivos no chão da aldeia, dentre outros processos.

A discussão sobre modos de produção e circulação de conhecimentos na antropologia é extensa. Passa por textos clássicos como os de Joanna Overing (1977) e de Anthony Seeger, Roberto DaMatta e Eduardo Viveiros de Castro (1979), que atentaram para a importância da corporalidade na produção da pessoa ameríndia; bem como, pelas discussões de Manuela Carneiro da Cunha (2009) e de pesquisadoras/es indígenas a partir de interesses-preocupações coletivas que, por exemplo, valorizam práticas culturais e modos de vida (r)existentes nos territórios (Anari Bomfim (2012), Célia Xakriabá(2018), AutakiWaurá(2021)).

Nesta proposta, tomamos como ponto de partida que saberes estão em movimento, são experimentados e transformados.Assim, encorajamos reflexões indígenas, negras, quilombolas ou em diálogo com saberes de povos tradicionais, experimentações etnográficas e etnografias das práticas de conhecimento. Serão aceitas produções na forma de artigos, textos etnográficos e bibliográficos, relatos de experiência, traduções, ensaios fotográficos e entrevistas com lideranças e mestras/es de saberes.

 Referências:

BOMFIM, Anari B. 2012. Patxohã, “língua de guerreiro”: um estudo sobre o processo de retomada da língua pataxó. Dissertação de Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos, Universidade Federal da Bahia.

CARNEIRO, Sueli Aparecida. 2005. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. Tese de Doutorado em Filosofia, Universidade de São Paulo.

CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. 2009. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo, Cosac & Naify.

LUCIANO, Gersem José dos Santos [Gersem Baniwa]. 2015. Os indígenas antropólogos: desafios e perspectivas. Novos Debates, Brasília, 2 (1): 2-17.

OVERING [KAPLAN], Joanna. 1977. Social time and social space in lowlandamericansocieties. In: CongrèsInternationaldesAméricanistes, 42. Anais. Paris [s.l.], v. 2.

QUINTILIANO, Marta. 2019. Redes afro-indígenoafetivas: uma autoetnografia sobre trajetórias, relações e tensões entre cotistas da pós-graduação strictu sensu e políticas de ações afirmativas na Universidade Federal de Goiás. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, Universidade Federal de Goiás.

SEEGER, Anthony, DA MATTA, Roberto; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 1979. A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras. Boletim do Museu Nacional, Rio de Janeiro, 32: 2-19.

SODRÉ, Muniz A. C. 2004. Pensar nagô. Rio de Janeiro, Vozes.

XACRIABÁ, Célia Nunes C. 2018. O barro, o genipapo e o giz no fazer epistemológico de autoria xakriabá: reativação da memória por uma educação territorializada. Dissertação de Mestrado em Sustentabilidade e junto a Povos e Territórios Tradicionais, Universidade de Brasília.

WAURÁ, Autaki. 2021. WaujaO̱náka, O̱nakiyejetuwãpitsana: reclusão pubertária, saúde, beleza e o saber-fazer do algodão. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, Universidade Federal de Goiás.