Dossiê 15 - Sociedades em fronteiras: abordagens e perpectivas

Narrativas sobre a ação do estado na história da colonização de Campo Mourão (1900-1950)

Narratives on the action of the state in the history of the colonization of Campo Mourão (1900-1950)

Narrativas sobre la acción del estado en la historia de la colonización de Campo Mourón (1900-1950)

Astor Weber
Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR, Brasil
Jorge Pagliarini Junior
Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR, Brasil

Narrativas sobre a ação do estado na história da colonização de Campo Mourão (1900-1950)

Fronteiras: Revista de História, vol. 21, núm. 37, pp. 58-80, 2019

Universidade Federal da Grande Dourados

Copyright Universidade Federal da Grande Dourados 2019

Recepção: 04 Abril 2019

Aprovação: 13 Junho 2019

Resumo: O texto objetiva, por intermédio da análise comparativa entre os artigos, as dissertações, as teses e a historiografia local, compreender porque algumas narrativas explicam de forma distinta a participação do Estado na história da colonização da região de Campo Mourão (1900-1950). A análise leva em consideração o período da produção dessa escrita e o lugar social e cultural de fala desse leitor-autor. O primeiro grupo é composto por geógrafos (1950-1990), o segundo grupo também por geógrafos (2000-2010), o terceiro grupo é formado por um historiador (2008) e um antropólogo-historiador (1990-2000) e o quarto grupo é composto pela historiografia local (1975-2010). Observou-se que a oposição das interpretações entre os geógrafos é influenciada pelo diferente período e as implicações teórico-metodológicas usadas na sua produção. Já a historiografia local se aproxima mais das interpretações dos geógrafos das décadas de 1950 a 1990 do que ao das décadas de 2000 a 2010. Portanto, nesse caso não é somente o período de produção que se deve levar em consideração para comprender as diferentes interpretações, muito mais o local de pertencimento social e cultural de produção desses grupos.

Palavras-chave: Campo Mourão, Narrativas, Colonização, Estado, Lugar social e cultural.

Abstract: The objective text, through a comparative analysis of articles, dissertations, theses and local historiography, to understand why some narratives explain in a different way the participation of the State in the history of colonization of the region of Campo Mourão (1900-1950). The analysis takes into account the period of production of this writing and the social and cultural place of speech of this reader-author. The first group consists of geographers (1950-1990), the second group also by geographers (2000-2010), the third group consists of a historian (2008) and an anthropologist-historian (1990-2000) and the fourth group is composed of local historiography (1975-2010). It was observed that the opposition of the interpretations between the geographers is influenced by the different period and the theoretical-methodological implications used in its production. Local historiography, on the other hand, is closer to the interpretations of geographers from the 1950s to 1990s than to the decades from 2000 to 2010. Therefore, it is not only the production period that must be taken into account in order to understand the different interpretations, much more the place of social and cultural belonging of production of these groups.

Keywords: Campo Mourão, Narratives, Colonization, State, Social and cultural place.

Resumen: El texto objetiva, por intermedio del análisis comparativo entre los artículos, las disertaciones, las tesis y la historiografía local, comprender por qué algunas narrativas explican de forma distinta la participación del Estado en la historia de la colonización de la región de Campo Mourão (1900-1950). El análisis toma en consideración el período de la producción de esa escritura y el lugar social y cultural de habla de ese lector-autor. El primer grupo está compuesto por geógrafos (1950-1990), el segundo grupo también por geógrafos (2000-2010), el tercer grupo está formado por un historiador (2008) y un antropólogo-historiador (1990-2000) y el cuarto grupo se compone de la historiografía local (1975-2010). Se observó que la oposición de las interpretaciones entre los geógrafos es influenciada por el diferente período y las implicaciones teórico-metodológicas usadas en su producción. La historiografía local se aproxima más a las interpretaciones de los geógrafos de las décadas de 1950 a 1990 que a las de los años 2000 a 2010. Por lo tanto, en este caso no es sólo el período de producción que se debe tener en cuenta para comprender las diferentes interpretaciones, mucho más el lugar de pertenencia social y cultural de producción de esos grupos.

Palabras clave: Campo Mourão, Narrativas, La colonización, Estado, Lugar social y cultural.

Introdução

A partir das narrativas da história da colonização1 da região2 de Campo Mourão (1900-19503) é possível perceber que a leitura interpretativa da atuação do Estado na colonização não é a mesma. O caminho da construção dessas narrativas está composta por artigos, dissertações, teses, livros e obras locais. Foi estabelecida uma divisão em quatro perspectivas de macroanálise distintas4 e coesas entre si.

Para essa divisão foi utilizado os seguintes critérios: primeiro, o período da produção dessa escrita5. Em segundo, o lugar6 de fala desse leitor-autor. Neste entender, como Michel de Certeau (1990), tratou os autores7 dessas narrativas como leitores8, já que “o texto só tem sentido a seus leitores; muda com eles; ordena-se conforme códigos de percepção que lhe escapam” (CERTEAU, 1990, p. 266). Como leitores “inventam” sobre o escrito de outros.

Cabe observar que as narrativas delimitam, classificam, hierarquizam e espacializam os fatos a partir de um lugar de produção que quer determinar um efeito e servir-se desse poder. Apesar de enquadrar essas interpretações, não as hierarquizo em ordem de importância ou veracidade, embora seus autores assim pareçam sugerir. Cada perspectiva tende a usar um conjunto distinto de conceitos que se assemelham entre si. Amparados por essa homogeneização de categorias, convencem-se que isso os legitima a estabelecer a interpretação literal9 dessa história. A liberdade se limita ao modo10 de interpretação do conjunto dessa história; uma liberdade cerceada11.

A discussão sobre a influência do poder de Estado na formação da região de Campo Mourão está presente nas narrativas. Como uma entidade de poder transcendente, natural e soberana. A ideia de um Estado arbóreo12 está cristalizada nos leitores-autores, embora haja desavenças e as narrativas cobrem atitudes administrativas diferentes, porém sua soberania transcendente e despótica não é questionada.

Como proposto por Haesbaert (2013), considero as quatro perspectivas uma espécie de “Geografia do socius”, na qual os sócios se territorializam em pensamentos semelhantes e dali pululam as suas ideias, advertências, questionamentos, interposições, sobrecodificações sobre esse espaço. Os leitores-autores enquadram a participação do Estado na história dessa colonização a partir da perspectiva que têm sobre esse poder.

Primeira perspectiva: por um estado promotor do desenvolvimento e progresso

A análise da primeira perspectiva pautou-se em artigos e dissertações de geógrafos das décadas de 1950 a 1990, Principalmente Bernardes (1953), Costa (1976) e Hespanhol (1993), dentre outros. Esses leitores-autores tendem a afirmar que o início da colonização na região de Campo Mourão só ocorreu pós-1940, quando foi oficialmente dirigida pelo Estado paranaense. Este teria sido o momento do desenvolvimento econômico, agrícola e estrutural da região, da oportunidade de civilizar os índios e de ensinar aos caboclos e os migrantes13 a importância e as práticas da agricultura moderna14.

Para esses geógrafos, somente depois da colonização dirigida pelo Estado é que se pode falar em frentes verdadeiramente “pioneiras”15. Era também o momento de o Estado atuar para superar o problema do vazio demográfico e das terras devolutas da região. Já para Lúcio T. Mota as terras estavam habitadas por indígenas e os termos “sertão, terras devolutas, boca do sertão, em outras passagens mata virgem” apenas eram utilizados para justificar a colonização.

Os geógrafos da década de 1950-1990 justificam e cobram uma ação do Estado para a “ocupação” daquele “espaço vazio”. Há, portanto, no passado dessa história um momento de progresso e modernização possibilitado pela atuação positiva do Estado paranaense.

Segundo Bernardes, as colônias no século XIX não se desenvolveram por não apresentarem estágio mais elevado de desenvolvimento. O problema estava no sistema primitivo de agricultura usado pelos caboclos, como, por exemplo, a queimada das matas, a sua prática semi-nômade e a ocupação desordenada do solo. As colônias oficiais e particulares não formaram uma frente pioneira no oeste do estado do Paraná no final do século XIX e nem nas primeiras décadas do século XX devido à “localização desordenada e espontânea de elementos isolados (…). Aliás, o próprio governo, concedendo glebas esparsas em uma enorme área desprovida de vias de comunicação, também contribuiu para este resultado” (BERNARDES, 1953, p. 346-347). Além disso, “o lado oeste, vazio, sem povoado e porto, inóspito é o local do vazio demográfico, vazio de civilidade. Estas fronteiras serão mapeadas, quando o Estado estender sua soberania” (SANTOS, 2013, p. 13).

Odah R. G. Costa (1976) também comunga da posição de Bernardes sobre uma colonização desordenada ao afirmar que a determinação do Estado em colocar “como condição essencial, a cultura efetiva e a morada habitual, antes do interessado conseguir o título de propriedades das terras, (...) vinha incentivar a invasão das terras públicas, motivando a devastação das matas (...)” (p. 821).

Para esses leitores-autores somente com o início de uma frente pioneira no oeste paranaense, após 1930, há uma reorganização do plano de colonização, a “Marcha para o oeste”, de tal maneira que em 1939, o governo paranaense resolveu iniciar os serviços de colonização nas terras devolutas situadas nos então municípios de Guarapuava e Londrina, conforme decreto n. 8. 564, de 17 de maio de 1947. Segundo Bernardes (1953), essa ocupação espontânea e desordenada de caboclos e colonos atingiu Campo Mourão até o ano de 194016 e apesar do aumento demográfico na região, não houve “um aproveitamento econômico real das áreas desbravadas, mas somente uma ocupação escassa e nucleada, por elementos que, muitas vezes vivem à margem da civilização, sem nenhum contacto com as áreas povoadas a leste” (p. 372).

Logo, conforme Bernardes (1953) “até 1940 não se pode, no entanto, distinguir nesta zona nenhuma frente pioneira ativa, no sentido restrito da expressão”. Essa frente pioneira ativa só ocorreu no Terceiro Planalto Paranaense e, consequentemente, na região de Campo Mourão a partir da década de 1940. Portanto, depois de meio século de povoamento, o oeste paranaense ainda possui uma população escassa, de pouco contato com os grandes centros “e o primitivismo que caracteriza o aproveitamento da terra por seus povoadores” (p. 372).

Como se pode observar, há uma cobrança por parte desses geógrafos que o Estado incorpore os índios, os caboclos e os migrantes da região nesse modelo de colonização civilizatória. O modelo de sociedade ocidental se corporifica nas narrativas desses geógrafos. Uma mudança da qual adviria o comportamento cultural e social das populações que viviam no sertão e nas fronteiras do oeste do Estado paranaense. De outras formas, essa educação das populações que estão sob a tutela do Estado ocorre desde o século XVI, porém neste caso, as narrativas desses geógrafos das décadas de 1950 a 1980 são emblemáticas para afirmar a preocupação na década de 1940, não só na região de Campo Mourão, por uma intervenção mais direta e efetiva do Estado na colonização. Índios, caboclos e migrantes pobres necessitam ser educados, disciplinados para a sedentarização/sedimentação e produção. Melhorar o sertão significava melhorar o corpo (SANTOS, 2013, p. 89). Como alerta Haesbaert (2010), “a História foi predominantemente ‘escrita do ponto de vista dos sedentários, em nome de um aparelho unitário de Estado, [...] inclusive quando se falava sobre nômades’ a Geografia menosprezou as dinâmicas des-re-territorizalizadoras como centro de sua análise” (p. 141).

Os geógrafos criam todo um inquérito para verificar como o Estado deve agir, mapeiam os problemas e propõe soluções ao o Estado. Estão conectados ao serviço de um modelo gestor de ordenamento estatal do território. Para distribuir o corpo social e dividir as terras os geógrafos produzem o inquérito, alertam a máquina estatal para o perigo da distribuição desordenada desses corpos. É a desterritorialização e reterritorialização como movimento arbóreo que tem um núcleo de poder/saber no Estado, modelo evoluído de gestão e produtivo do território. São duas frentes, a ação física estatal e a linguagem científica, colaborando para a constituição de um determinado território17 que quer ser arbóreo e não pode se tornar rizomático18; é preciso controlar o fluxo, as linhas de fuga. É preciso desterritorializar para reterritorializar, destruir para construir, educar e ensinar o corpo indígena e do caboclo para as práticas civilizatórias. Mas, para isso é preciso dar condições, ter um governo forte, organizador da racionalidade, pois o Estado não está, nesse momento em condições de substituir esses corpos. O discurso da melhoria das condições sociais, de maior liberdade ao sujeito é o discurso do estabelecimento do soberano, do Estado. A ciência a serviço ou a mercê do governo de Estado.

Segunda perspectiva: índios, caboclos e migrantes pobres como vítimas da ação do estado

A fim de construir a segunda perspectiva, utilizou-se as dissertações e de teses dos geógrafos da década de 2000 a 2010 como de Sara M. P. Soriano (2002), Gisele R. Onofre (2005), Edson N. Yokoo (2013) e Áurea Andrade V. de Andrade (2013). Enquanto os geógrafos anteriores clamavam por uma intervenção estatal, esses novos leitores-autores não deixam de salientar a importância da intervenção do Estado na colonização, porém alertam que da forma como foi feita a colonização dirigida, com a ascensão do capitalismo, trouxe graves problemas sociais e ambientais para a região. Os índios, os caboclos e os migrantes/lavradores pobres não teriam se beneficiado, mas teriam sido vítimas desse desenvolvimento, progresso e processo civilizatório. Se anteriormente a colonização dirigida era vista como necessidade de melhoria da infraestrutura regional, agora essa ação é questionada por esses outros geógrafos.

De acordo com Soriano (2002), o processo de colonização feito pelo estado do Paraná no final dos anos 1930, ao viabilizar a venda de terras “de pequena e média propriedade rural, nas regiões norte novo, norte novíssimo, centro oeste e sudoeste do Paraná”, gerou conflitos sociais. Diferentemente de Odah Costa19 (1976, p. 838-839), que afirma que a colonização teve “características acentuadamente nacionalistas e democráticas”, a preços acessíveis e com condições boas de pagamento. Soriano (2002) diz que “durante o processo de transferência de terras públicas para o domínio particular, a presença dos vícios da especulação e a grilagem de terra desencadearam conflitos sociais rurais entre posseiros, pequenos proprietários e grandes proprietários e grileiros20” (p. 15). Bem diferente também, do que a própria Companhia Melhoramentos Norte do Paraná – CMNP (1977) afirma: seu trabalho não foi violento, o benefício atingiu a todos e não foi um negócio e sim “uma destinação histórica” (p. 8).

Costa (1976) atribuiu a esse momento da criação das colônias em 1939, na região de Campo Mourão, como um momento de possibilidade de distribuição de terras democrática e nacionalista. No entanto, assim como Soriano (2002), Onofre (2005) remete-se a esse momento da história como de luta pelo direito a terra, que para a autora ocorre durante a formação geo-histórica da região de Campo Mourão21.

Para Onofre (2005), o Estado paranaense se amparava na ideia de vazio demográfico22, para justificar a apropriação das terras indígenas da região de Campo Mourão, e na ideia da formação de uma sociedade industrial, em que tudo vira mercadoria. Ancorado nessa ideia, o Estado aniquilou e expulsou os índios para dar lugar aos caboclos que chegavam para ocupar a terra23 (p. 41-43). Diferentemente das considerações de Bernardes (1953) e Costa (1976), que ratificam o oeste paranaense como lugar de índios bravios e de um sertão inculto que necessitava ser civilizado. Onofre defende que os índios não só são civilizados, mas também destaca a sua contribuição na formação social, cultural e econômica da história da região e do Paraná.

Ainda segundo Onofre (2005), a história de ocupação sócio-espacial de Campo Mourão, principalmente no período da colonização, deixou marcas que “implicaram em graves consequências socioambientais e o homem com sua ambição juntamente com os avanços tecnológicos mesmo conhecendo a fragilidade da natureza, continuou a gerar impactos e estes em extensão maiores e cumulativos com os causados no passado (p. 20)”.

Yokoo (2013) segue praticamente os mesmos pressupostos das narrativas anteriores. Trata a Mesorregião Centro Ocidental Paranaense em um “sentido dualista e socioeconômico, caracterizado por duas fases ou estágios, a primeira com a frente de expansão demográfica e a outra caracterizada pela frente de expansão pioneira e/ou econômica”. A frente de expansão demográfica teve como principais atores sociais as sociedades indígenas e os agricultores-posseiros (caboclos e colonos pobres). Nesta fase, a terra não era mercantilizada e o acesso à propriedade da terra era efetuado por posses, de acordo com a legislação específica, o uso da terra se dava com finalidades da subsistência familiar e eventuais excedentes destinados para o mercado e/ou trocados por manufaturas. Desse modo, esta frente de ocupação pode ser identificada como a que atuou na faixa da frente demográfica e da frente econômica, isto é, socialmente eram “amansadores de terras”, antes do aporte das frentes pioneiras, já que esta etapa foi caracterizada pela colonização dirigida, que objetivou a mercantilização das terras. Esse tipo de ocupação “pôde ser detectado no recorte espacial deste estudo, especialmente caracterizado num modelo não capitalista” (YOKOO, 2013, p. 26).

O projeto de colonização nacional iniciado na década de 1930 da “Marcha para Oeste” se coadunou com a proposta de colonização do governo paranaense para a colonização do oeste do estado, que atingiu a região de Campo Mourão ao demarcar “entre os vales dos rios Piquiri e Ivaí as Colônias: Mourão, Goioerê, Goio-Bang, Cantú, Muquilão e Rio Verde24”. Além disso, Yokoo (2013) afirma que “a conjugação dos interesses do Estado com o capital privado, visou à reprodução ampliada do capital25” (p. 160).

Andrade (2013) afirma que houve um processo de desterritorialização na Microrregião Geográfica de Campo Mourão, que também teve como principais agentes, assim como para Yokoo (2013), o Estado e o capital, que mediaram as relações de poderes com as pessoas que viveram na região, o que desencadeou conflitos de classes entre posseiros, ocupantes, companhias colonizadoras e Estado. Ao mesmo tempo, há um processo histórico de territorialização movido pela colonização dirigida, que se inicia na década de 1940 (ANDRADE, 2013, p. 25).

As conclusões de Andrade (2013), que denuncia as práticas de ocupação de terras não democráticas e conflituosas são bem diferentes das de Bernardes (1953), Costa (1976) e da própria CMNP (1977), que apresentam uma colonização dirigida pelo Estado paranaense a partir de 1940 de forma democrática, realizada em nome da pluralidade das raças26, feita de forma harmônica, que priorizava o minifúndio e que trouxe desenvolvimento econômico-social para a região de Campo Mourão. Além do aspecto da denúncia é possível, por meio do passado e pelo processo histórico da territorialização, compreender algumas territorialidades no presente. A autora considera os índios e os posseiros como os grandes prejudicados desse processo de desterritorialização e territorialização mediado pelo Estado em nome do capital.

Para essas narrativas o Estado foi o principal agente transformador desse espaço e formador de um novo território em que os beneficiados são aqueles que se enquadram no novo modelo econômico proposto pelas classes dirigentes do governo paranaense e nacional. O Estado promoveu o desequilíbrio quando deveria ser o principal agente da estabilização social.

As narrativas convergem no aspecto de atribuírem ao Estado um poder disciplinar. Divergem, no entanto, quanto ao modo de viabilizar aquilo que nominam de “o moderno”. Alguns descrevem o trabalho como edificador; outros que foi a ruína; alguns que a civilização apagou culturas autóctones; outros que ela se modernizou ao impregnar o ambiente com seus traços culturais e miscigenados dos que já eram civilizados.

Terceira perspectiva: índios e posseiros como sujeitos históricos fazem frente à ação estatal

A terceira perspectiva foi problematizada tendo como referência a tese do historiador Ely B. de Carvalho (2008) e de algumas obras do historiador-antropólogo Lúcio Tadeu Mota (2008; 1994). Esses leitores-autores discordam da primeira perspectiva e aproximam-se da segunda quando abordam a história da colonização da região de Campo Mourão (1900-1950). Contudo, há uma diferença fundamental, a preocupação de mostrar como os Kaingang e os lavradores pobres conseguiram “negociar” como sujeitos frente às ações de colonização estatal. Esses leitores-autores denunciam os problemas sociais provocados pela ação do Estado27, a prática da comercialização das terras, o desflorestamento e a perda de terras pelos índios, caboclos e posseiros com a infiltração do capitalismo e modernização do sertão. No entanto, não consideram os índios e os posseiros como vítimas da colonização modernizante e capitalista, uma vez que os mesmos resistiram, lutaram e negociaram com o proprietário e o próprio Estado pelo direito à posse da terra.

Na obra Os Kaingang do Vale do Rio Ivaí – PR: história e relações interculturais, o objetivo principal de Mota (2008) “é verificar o processo de desterritorialização das populações indígenas na bacia do rio Ivaí no Estado do Paraná e as relações interculturais estabelecidas entre essas populações e a sociedade envolvente”. Porém, como o mesmo demonstra, essas “relações, por um lado, garantiram a presença das populações indígenas na região, e, por outro, redefiniram profundamente sua dimensão sociocultural” (p. 7).

Os Kaingang da margem esquerda do rio Ivaí conseguiram a demarcação do Território de Marrecas em 1878, embora houvesse uma redução do seu território em 1949 para 16.839 ha. Os Kaingang que viviam na margem direita do rio Ivaí também lutavam pela demarcação de suas terras desde o século XIX, continuaram no período republicano com seus emás (aldeias), suas reivindicações por utensílios, ferramentas e terras para plantar. O território abrangia desde a nascente do rio Ivaí até a região abaixo da antiga Vila Rica do Espírito Santo28 (MOTA, 2008, p. 140-143).

Segundo Mota (2008), “em 1949, os governos da União e do estado do Paraná firmaram um acordo que diminuiu consideravelmente todos os territórios indígenas no Estado”. Isso ocorreu porque “todas as terras excedentes, isto é, todas as terras fora das novas demarcações que estavam ocupadas por famílias Kaingang, foram entregues ao Estado para fins de colonização e localização de imigrantes” (p. 153). A situação se agravou para os índios em 1951 quando o governo transferiu todas as terras expropriadas para Fundação Paranaense de Colonização e Imigração.

Em relação à história do encontro dos índios com os colonizadores, Mota (2008) faz algumas ressalvas metodológicas que precisam ser observadas quando da pesquisa sobre a temática indígena. Para ele, muitos pesquisadores ainda afirmam que “a civilização ocidental veio para a salvação dos índios, retirando-os da vida errante, da barbárie e ensinando-lhes o caminho do ser civilizado (MOTA, 2008, p. 171)”. Afirmação que justificaria a tomada de posse de muitos de seus territórios pelo Estado e particulares. Essa perspectiva de caráter evolucionista pode ser observada, por exemplo, em Bernardes (1953) e Costa (1976), quando afirmam que os índios necessitavam sair da barbárie e serem civilizados. Porém, observa-se que outros autores como Onofre (2005), Andrade (2013), Yokoo (2013) procuram demonstrar que os índios encontrados na região de Campo Mourão possuíam uma cultura própria e eram civilizados, denunciar o processo de desterritorialização ocorrido e questionam a civilização dos colonizadores. Eles descrevem algumas contribuições dos índios na formação histórica, econômica, social e cultural do estado do Paraná.

Entretanto, Mota (2008) vai além ao chamar a atenção sobre a posição de muitos autores que, embora enfatizem a participação da população indígena na formação da sociedade paranaense, apenas os tratam como vítimas da “imposição da sociedade branca sobre o indígena, como se a última fosse alienada, sem políticas, sem culturas específicas e distintas entre os vários grupos” (p. 17). Para o autor, há aqueles que “reforçam a ideia do vazio demográfico”, como era feito tanto por Bernardes (1953) quanto por Costa (1976), que perpetuaram a ideia do vazio demográfico para justificar a necessidade da interferência do Estado e de companhias particulares na promoção do progresso sobre a colonização da região de Campo Mourão.

Para Mota (2008), é preciso contestar a ideia de que os índios foram simples vítimas do processo de colonização impetrado pelos colonizadores, pelo Estado e pelo capitalismo e tratá-los como sujeitos históricos que resistem, lutam e negociam a sua condição de sobrevivência. É o que se propõe a pesquisa do autor quando demonstra a resistência, a luta e a negociação dos Kaingang para manter suas terras29.

Saindo do personagem indígena, Ely Bergo de Carvalho (2008), em sua tese, procura tratar o posseiro/lavrador pobre não apenas como vítima do processo de colonização, mas como sujeito que resiste e negocia a sua condição de sobrevivência local. O leitor-autor procura entender as estratégias e as representações na apropriação de florestas e terras, durante o processo de colonização dirigida, ocorrido na região de Campo Mourão, Paraná, entre 1939 e 196430. A estratégia defendida de apropriação das terras devolutas era efetuar uma colonização racional31, que implicava o planejamento estatal, que junto com uma rigorosa aplicação da tecnociência e a divisão produtiva da terra, garantiriam o “progresso32”. Quanto à floresta a tecnoburocracia propugnava como forma de gestão, um reflorestamento racional (2008, p.8).

Diferentemente de Costa (1976) e da CMNP (1977), os quais afirmam que as características nacionalistas e democráticas preponderaram na formação dos núcleos populacionais e distribuição das terras na colonização dirigida pelo Estado paranaense pós-1940, Bernardes (1953) afirma que o objetivo da demarcação das terras pelo governo em 1939 era radicar definitivamente os caboclos. Porém, conforme Carvalho (2008), o Estado vai dificultar a legalização da posse dessas terras para os posseiros-caboclos. As mesmas só poderão ser adquiridas mediante compra ou legalização dos seus documentos na capital Curitiba por intermédio de advogados. Os lavradores pobres terão dificuldade de se apossar de terras.

Para Soriano (2002), Onofre (2005) e Andrade (2013), não houve um processo democrático e nacionalista na distribuição de terras na região de Campo Mourão, porque muitos posseiros pobres não conseguiram pagar ou regularizar seus títulos de terra devido a negociatas políticas que dificultavam o acesso à terra. Cancian (1981) e Andrade (2013) afirmam que o Estado estava mais preocupado em colonizar e limpar a área para obter lucros com a comercialização das terras e angariar impostos do que com o objetivo de beneficiar a população.

Segundo Carvalho (2008), houve a necessidade, na tentativa de uma colonização racional – a colonização dirigida de 1939 e 1964 – da criação de um “homem novo33” e não um cidadão, uma modernização do sertão34. Porém, “os lavradores pobres não foram passivos em tal processo”; negociaram e resistiram cotidianamente para manter suas posses35 (p. 8). Aqui reside uma diferença de análise em relação às considerações feitas pelos geógrafos citados anteriormente em relação aos posseiros e índios. Embora esses geógrafos evidenciam elementos da cultura dos índios, aspectos que ratifiquem sua civilidade e sua prática de resistência, ainda tendem a tratá-los mais como vítimas do processo de colonização do que como sujeitos. Mota (2008) apresenta uma série de ressalvas metodológicas que podem ser utilizadas nas práticas de pesquisas sobre as populações indígenas e são utilizadas nas suas considerações sobre a relação dos Xetá e Kaingang com os colonizadores.

Portanto, Carvalho (2008), assim como Mota (2008), trata os posseiros/caboclos/migrantes/lavradores pobres e os índios como sujeitos no processo de colonização da região de Campo Mourão. Ambos enfatizam que a ação do Estado foi fundamental para a formação de um novo território aos moldes ocidentais com prejuízo e práticas de resistência e negociação por parte dos índios, posseiros/lavradores pobres que viviam nesse espaço.

Quarta perspectiva: pioneirismo e o estado com práticas coadjuvantes

As narrativas historiográficas locais36 (1975 a 2010) são usadas como referência para a composição da quarta perspectiva sobre a história da colonização da região de Campo Mourão (1900-1950). Muitos dos fatos e informações contidas na historiografia local37 foram retirados para construir as dissertações e teses (2000-2010). Os conceitos de progresso, evolução e desenvolvimento são norteadores dessa perspectiva, porém diferentemente dos geógrafos (1950-1980), não seria tanto o Estado o responsável e, sim os migrantes/pioneiros pela criação da região. Para a historiografia local, essa evolução, embora lenta, ocorreu a partir de 1903 quando a primeira família se deslocou à região e em função da luta dos pioneiros38 que desbravaram essa parte do sertão paranaense.

Palavras como sertão, civilização, bandeirante e pioneiro serão utilizadas recorrentemente pela historiografia local para contar a história dessa colonização. Não é diferente das narrativas anteriores que recorrem a “uma velha tradição de contar o local a partir de premissas gerais, fazendo deste procedimento um modo do ofício de historiar” (SANTOS, 2013, p. 12).

Os leitores-autores locais tratam a colonização, a vinda dos migrantes a partir de 1903, como uma importante fase da emancipação, do desenvolvimento, do progresso, da civilização e da modernização da região. Mas os discursos dão maior crédito à ação heroica dos migrantes-pioneiros - uma espécie de bandeirante moderno -, do que para o Estado paranaense. Simionato (2010), em “Campo Mourão: Mulheres que fizeram História”39, faz uma série de 67 entrevistas40, com algumas mulheres consideradas “pioneiras” que contam suas experiências sobre a sua vida quotidiana nos tempos da colonização nas décadas de 1900 a 1950. Segundo a autora, é uma homenagem “as mulheres heroínas que deixaram suas famílias, seus sonhos, seu conforto para enfrentarem uma terra inóspita, acompanhando pais ou maridos” (SIMIONATO, 2010, p. 21). Um passado que deve ser conhecido e glorificado graças ao trabalho desses “pioneiros” que implantaram uma colonização desenvolvimentista para a região de Campo Mourão. A historiografia local inclusive comenta a respeito da formação das colônias pelo Estado paranaense em 1939, mas não seria o Estado o grande agente transformador do território e, sim, os corpos, desses homens e mulheres, consideradoras desbravadores do sertão.

Na primeira perspectiva os corpos eram fortes, mas precisavam evoluir, sendo que o Estado deveria lhes dar condições para que adquirissem outras práticas culturais e sociais. Na segunda perspectiva o Estado/Capital teria maltratado alguns corpos em detrimento de outros, por isso as suas práticas também deveriam mudar. Apesar das divergências ambas querem uma melhoria da prática de intervenção do Estado. Na terceira a lógica é a mesma, porém nela os corpos foram fortes, lutaram e negociaram, embora Estado/capital precisasse rever suas práticas. Na historiografia local, os corpos foram fortes o suficiente para enfrentar a natureza e vencê-la. Além disso, negociaram com o Estado e impuseram a eles algumas condições de negociação. São corpos de heróis que cumpriram sua missão como cidadãos ao tornar a natureza também sócia do Estado. Afinal, foram esses corpos que criaram condições para uma espécie de natureza estatal. Portanto, não há como não concordar com Santos (2014) quando afirma que “o objeto ‘corpo’ é plurissignificativo” (p. 138).

A influência da ideia de frente pioneira está presente em praticamente todas as narrativas que tratam da história da colonização da região de Campo Mourão (1900-1950). Em duas perspectivas, a postura Estado/Capital é negativada. Mas a exaltação devido a uma ação positiva colonizadora pode ser percebida tanto nas narrativas dos geógrafos (1950-1980) quanto na historiografia local, com a diferença do protagonismo, como mencionado.

Na obra de Valderi Santos, em “Formação histórica do território da microrregião de Campo Mourão” de 1995, Viana Moog é citado como referencial para descrever os migrantes que vêm para a região no século XX, os novos heróis bandeirantes que conquistam o sertão. Essa ideia de heroísmo, pioneirismo e bandeirantismo41 continua a ser propagada nos discursos de governadores, prefeitos e vereadores década de 1950 afora. O progresso teria vindo com os migrantes42.

As narrativas questionam a atuação do Estado na formação da região, mas não a sua existência. Para a historiografia local, o Estado se faz presente, porém o protagonismo dessa história é dos seus moradores. A eficácia estatal se concretizou muito mais por anuência e ação dos migrantes/pioneiros que se propuseram a se deslocar e residir nesse outro território43.

As outras narrativas trabalham com a perspectiva da vinda de um sistema de pensamento e prática Estado/Capital que move o corpo social. Não é assim que a historiografia local contam essa história. Embora comentem sobre a participação e a intervenção do Estado nas relações cotidianas, a leitura parte da ideia de saberes e práticas locais, das relações micro, dos fazeres e desejos dos homens locais. Mas que também negociam com o macro poder estatal. Embora haja essa negociação constante, a soberania do Estado é respeitada e dela as relações cotidianas locais se fazem valer.

A historiografia local, diferentemente das narrativas anteriores, não problematiza a ideia do vazio demográfico, mesmo porque são esses novos cidadãos contratados pelo Estado que se aventurarão sertão adentro que preencherão o que estaria vazio. O índio e o caboclo são alvo de rápidos comentários, diferente de Bernardes que pede a substituição deles por migrantes. É uma relação de poder/saber que se estabelece entre as instituições e os leitores-autores locais com as instituições que representam ou da qual fazem parte. Suas narrativas são o elo que ligam o leitor à instituição.

Desenvolvimento, progresso e evolução são justificativas recorrentes utilizadas pela historiografia local para destacar a colonização realizada pelos migrantes que se deslocaram para a região. A modernização da agricultura, a construção de escolas e faculdades, de igrejas, de prédios públicos, de indústrias, de estradas e tantos outros, são os elementos que os escritores locais utilizam para sacramentar a ideia de evolução da região de Campo Mourão. Essa enunciação serve para reforçar a soberania do Estado paranaense e a formação de uma identidade mourãoense.

Considerações finais

As narrativas explicam a participação do Estado na história da colonização da região de Campo Mourão (1900-1950) de forma distinta. Dividi em quatro conjuntos de macroanálise. Como nos ensina Certeau (2011b), não há narrativa carregada de espontaneidade e que “toda uma organização supõe uma repressão (p. 81)”.

Observa-se que a seleção de documentos, fatos, informações, conceitos, uso de categorias para contar essa história possuía certa coesão explicativa entre alguns leitores e distinção entre outros. A escolha foi por trabalhar com alguns conceitos espacial e temporalmente distantes. Como diz Certeau (1990), leitores são viajantes, nômades, que no caso caçaram em documentos alheios os bens que lhe convinham: “seu lugar não é aqui ou , um ou outro, mas nem um nem outro, simultaneamente dentro e fora, perdendo tanto um como o outro os misturando, associando textos adormecidos, mas que ele desperta e habita, não sendo nunca o seu proprietário. Assim, escapa também à lei de cada texto em particular, como à do meio social” (p. 269-270).

Nessa viagem pela experiência das narrativas, é o lugar de produção, seja institucional ou científico, que tende a direcionar o caminho de muitas das interpretações feitas sobre a história dessa colonização. Santos (2013) salienta que a formação do território paranaense, “é o homem organizando o seu espaço; a linguagem criando instrumentos”, assim segue a formação do território mourãoense. O autor diz que “um saber classificado é uma forma de dizer o espaço. Esta afirmativa é possível à medida que o ofício de historiar tem uma história” (p. 14). Para Michel de Certeau (2011b), o saber produzido está “ligado a um poder que o autoriza”44 (p. 58), quando ele afirma que há o imperativo da escrita45 e dos que escrevem46 a história e outros, além de historiadores, concorrem e reivindicam o direito a escrita da história local47.

Embora a historiografia local (1975-2010) estejam temporalmente mais próximas das produções das narrativas dos geógrafos (2000-2010) e do antropólogo e historiador (1990- 2008), o encaminhamento e as conclusões sobre a história da colonização se aproximam mais dos geógrafos das décadas de 1950 a 1980, temporalmente distantes. Os pesquisadores locais compostos por advogados, jornalistas, uma pedagoga-teóloga e um historiador local seguem uma linha de interpretação mais parecida com a dos geógrafos das décadas de 1950 a 1980. Portanto, até que ponto a formação intelectual de cada autor e o tempo são fatores preponderantes na produção dessas narrativas? Neste caso, mesmo temporalmente distantes, a interpretação se aproxima, porém as formações intelectuais são distintas. O estudo desse caso pode contribuir para entender como fronteiras e/ou barreiras de interpretação são construídas, mesmo tendo como referência um mesmo objeto de estudo.

Os geógrafos das décadas de 1950 a 1980 estão conectados ao serviço de um modelo gestor de ordenamento estatal do território. Cobram do Estado ações que visam ordenar o corpo social e a natureza. É preciso desteriritorializar para reterriteriolizar, destruir para construir, num conjunto todo, em todas as frentes. É preciso educar, ensinar o corpo indígena e caboclo as práticas civilizatórias. O discurso da melhoria das condições sociais, de maior liberdade ao sujeito é o discurso do estabelecimento do soberano, do Estado.

Os geógrafos das décadas de 2000 a 2010 colocaram o Estado como o principal agente transformador desse espaço e formador de um novo território em que os beneficiados foram aqueles que se enquadraram no novo modelo econômico proposto pelas classes dirigentes do governo paranaense e nacional. Mas, promoveu o desiquilíbrio quando deveria ser o principal agente da estabilização social.

Se nas narrativas anteriores certos corpos foram apenas vítimas da ação do Estado/Capital, a terceira perspectiva evidencia que os índios e lavradores pobres, apesar do crescimento do poder do soberano, negociam sua condição, estabelecem territórios num Estado que se quer soberano, numa espécie de regime de coexistência. O Estado precisou negociar com o nômade, porque quanto mais sócios, melhor.

A historiografia local tenta contar a história a partir de acontecimentos, agenciamento e encontros locais. Os contratados/sócios/moradores que se prestaram a amansar a natureza e transformá-la. Então cabe a eles serem os protagonistas dessa história. O Estado se faz presente, mas deve negociar com eles. Foram eles, portanto que deram condições para o início da colonização dessas terras. É o período de progresso, desenvolvimento e civilização da região.

Foram esses sócios que clamaram pela interferência estatal. Queriam receber as benécias desse contrato firmado com o Estado, por isso a emancipação do município e a cobrança de uma melhoria da infraestrutura local. Contar a história local também se torna uma questão de sobrevivência desses sócios. As novas gerações precisam conhecer esses corpos heróicos e estabelecer um vínculo identitário com esse solo. Proliferam-se as narrativas que querem contar essa história.

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Notas

1 É usado o termo colonização para me referir ao movimento de migração ocorrido no início do século XX, tratado por grande parte das narrativas como os tempos da colonização oficial da região de Campo Mourão. A ocupação da região, como explica Mota (2008), ocorreu há milênios e por vários grupos e das mais variadas formas. Do século XVI ao XIX, vários grupos de pessoas estiveram por essa região (espanhóis, índios, portugueses, caboclos).
2 “Por região de Campo Mourão utiliza-se a atual Mesorregião Centro Ocidental Paranaense, conforme definida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 16, que totaliza uma área de 11.938 quilômetros quadrados, ou seja, 1.193.800 hectares. Ou a região de Campo Mourão pode se referir à Microrregião de Campo Mourão, tal como definida pelo IBGE nas décadas de 1950 e 1970, com 12.218 quilômetros quadrados, isto é, 1.221.800 hectares” (CARVALHO, 2008, p. 13).
3 Para a história oficial local, o período das migrações para a região foi entre as décadas de 1900 e 1950.
4 Esse enquadramento em quatro macroanálises de perspectivas diferenciadas foi feito exclusivamente para as pretensões da minha pesquisa, outras classificações podem ser realizadas e de acordo com a problematização abordada pelo estudioso em sua temática de pesquisa.
5 Foram selecionados alguns artigos da década de 1950 até obras recentes de 2018.
6 Proponho entender a ideia de lugar conforme Certeau: “apesar das divergências teóricas ou metodológicas que possam vir à luz em uma reunião de professores e de especialistas, todo o grupo de pesquisadores tende a reconstituir uma interpretação unitária, a pensar na cultura no singular. Ele obedece, desse modo, a lei das pertenças sociais e profissionais. Uma homogeneidade de meio, de classe, de intelectuais ressurge e se trai no objeto (a cultura) abordado. O lugar de onde se fala, no interior de uma sociedade, emerge silenciosamente no discurso e reproduz-se no nível do conteúdo intelectual, com o ressurgimento de um modelo totalitário. Com efeito, a cultura no singular traduz o singular de um meio. Ela está na maneira como respiramos, nas ideias, na pressão autoritária de uma determinação social que se repete e se ‘reproduz’ (Bourdieu e Passeron) até mesmo nos modos científicos. Na análise cultural, o singular traça em caracteres cifrados o privilégio das normas e dos valores próprios de uma categoria” (CERTEAU, 2011, p. 227). Esses grupos se estabelecerão como uma espécie de sócios e também da soberania questão que tratarei logo abaixo. Ver em Haesbaert (2010) essa problematização.
7 O autor como um leitor que interpreta ou lê a colonização a partir de um lugar social e cultural. Como nos propõe a reflexão Michel de Certeau (1990, p. 265) “‘toda a leitura modifica o seu objeto’” e, nesse sentido, o leitor se transforma em autor.
8 “Se, portanto, ‘o livro é um efeito (uma construção do leitor), deve-se considerar a operação deste último como uma espécie de lectio, produção própria do leitor. Este não tomou nem o lugar do autor nem um lugar de autor. Inventa nos textos outra coisa que não aquilo que era a ‘intenção’ deles” (CERTEAU, 1990, p. 264-265).
9 Como nos diz Certeau (1990), na leitura há “uma relação de forças (entre mestres e alunos, ou entre produtores e consumidores), das quais ela se torna instrumento. A utilização do livro por pessoas privilegiadas o estabelece como um segredo do qual somente eles são os ‘verdadeiros’ intérpretes. Levanta entre o texto e seus leitores uma fronteira que para ultrapassar somente eles entregam os passaportes, transformando a sua leitura (legitima, ela também) em uma ‘literalidade’ ortodoxa que reduz as outras leituras (também legítimas) a ser apenas heréticas (não ‘conformes’ ao sentido do texto) ou destituídas de sentido (entregues ao ouvido). Deste ponto de vista, o sentido ‘literal’ é o sinal e o efeito de um poder social, o de uma elite. Oferecendo-se a uma leitura plural, o texto se torna uma arma cultural, uma reserva de caça, o pretexto de uma lei que legitima, como ‘lietral’, a interpretação de profissionais e de clérigos socialmente autorizados”. (p. 267).
10 Perspectiva e modo teriam pretensões semânticas próximas. Perspectiva é no sentido de tentativa de enquadramento lógico-científico; é a divisão por mim proposta para as narrativas. Modo ou jeito obedecem a critérios mais flexíveis de escrita e interpretação que podem escapar a disciplinaridade e rigorosidade acadêmica. As narrativas financiadas pelas universidades seguem esse padrão disciplinar e outras, muitas vezes, furtam-se a essa ideia.
11 “Aliás, se a manifestação das liberdades do leitor através do texto é tolerada entre funcionários autorizados (...) ele é ao contrário proibida aos alunos (...) ou ao público (cuidadosamente advertido sobre ‘o que se deve pensar e cujas invenções são consideradas desprezíveis e assim reduzidas ao silêncio) (CERTEAU, 1990, p. 267)”.
12 “A árvore remete-se a centros de poder, a hierarquia, estruturas e relações binárias e biunívocas. (...) Instituições e aparelhos de poder como o Estado, a escola e a fábrica também se organizam de forma arborescente (HAESBAERT, 2010, p. 114)”
13 “A relação que Deleuze faz com as figuras do sedentário (linha molar), do migrante (linha molecular) e do nômade (linha de fuga ou desterritorialização) permite visualizar, já aqui, a força que ele concede à ideia de movimento e, de certa forma, à sua enorme positividade. (...) Só movimentos me interessam (Deleuze e Parnet, 1987: 127)”.
14 Nessa proposta de Bernardes (1953) é possível, ao se cobrar o ensino de uma prática agrícola moderna, não se está vendo os corpos a partir de traços biológicos/raciais, o discurso da soberania muda para o cultural e social. Precisa-se adaptar os corpos as novas exigências da soberania. “O social e o cultural, aos poucos vão ganhando sentido e importância na sua discursividade sobre o corpo e o espaço. O meio físico toma ares de “social” e os traços biológicos que formam o fundamento da discussão passam, gradativamente, a ser pensados como ‘culturais’. (...). A educação seria o meio possível de superação” (SANTOS, 2013, p. 73-74). (Error 5: El enlace externo debe ser una URL) (Error 6: La URL SANTOS, 2013, p. 73-74 no esta bien escrita)).
15 Como pressuposto, esses geógrafos utilizaram o conceito de frente pioneira de Turner, a fronteira “como movimento histórico de ocupação e domínio do território nacional (…)” (ALBUQUERQUE; CARDIN, 2018, p. 116).
16 Uma ocupação desordenada e espontânea que se fez presente ao longo do caminho para Foz do Iguaçu, no divisor Xopim-Iguaçu e no “norte e noroeste de Guarapuava, onde o povoamento por caboclos em 1920 já atingia Pitanga e em 1940 Campo Mourão” (BERNARDES, 2007, p. 191).
17 Território: “Os seres existentes se organizam segundo territórios que os delimitam e os articulam aos outros existentes e aos fluxos cósmicos. O território pode ser relativo tanto a um espaço vivido quanto a um sistema percebido no seio da qual um sujeito se sente ‘em casa’. O território é sinônimo de apropriação, de subjetivação fechada sobre si mesma. Ele é conjunto de projetos e representações nos quais vai desembocar, pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos, cognitivos” (GUATTARI; DELEUZE, 1986, p. 323 apud. HAESBAERT, 2010, p. 121-122).
18 “O conceito de território de Deleuze e Guattari ganha esta amplitude porque ele diz respeito ao pensamento e ao desejo – desejo entendido sempre como uma força ‘maquínica’, ou seja, produtiva. Deleuze e Guattari articulam, assim, desejo e pensamento. Podemos nos territorializar em qualquer coisa, desde que este movimento de territorialização represente um conjunto integrado de agenciamentos maquínicos de corpos e agenciamentos coletivos de enunciação” (HAESBAERT, 2010, p. 126).
19 Essa geógrafa faz parte do grupo de geógrafos da primeira perspectiva.
20 Soriano afirma sobre os conflitos de terra no Paraná e elenca várias bibliografias que trabalham essa questão (SORIANO, 2002, p. 15).
21 “Essa luta tem como marco o ano de 1939, quando o governo, preocupado com a ocupação desordenada do grande contingente populacional na região de Campo Mourão, inicia os serviços de colonização das terras devolutas, demarcando as terras, planejando uma sede urbana tendo ao entorno os lotes rurais, com área variando entre 10 a 200 hectares dependendo da gleba, sendo a maioria dos lotes superior a 50 hectares” (ONOFRE, 2005, p. 97).
22 Reflexão feita na obra de Lúcio T. Mota (1994).
23 Essa discussão sobre a desterritorialização dos territórios indígenas no vale do Ivaí e Piquiri é tema de obras do pesquisador Lúcio T. Mota, 1994; 2008.
24 “No entanto, o projeto de colonização da CTNP no norte do Paraná a partir da década de 1930, em consonância com a situação político-ideológica da Marcha para o Oeste do governo getulista com o intuito de nacionalizar econômica e demograficamente o oeste paranaense, tenha articulado a proposição do Plano de Colonização do governo paranaense para os terrenos devolutos na região de Paranavaí (Fazenda Brasileira), e para Campo Mourão, demarcando entre os vales dos rios Piquiri e Ivaí as Colônias: Mourão, Goioerê, Goio-Bang, Cantú, Muquilão e Rio Verde” (YOKOO, 2013, p. 160).
25 “Nesse sentido, essa tese confirmou o papel exercido pelo Estado, aliado ao capital imobiliário e às empreiteiras de construção do setor rodoferroviária, na formação das frentes pioneiras em direção a regiões novas, a serem ocupadas e colonizadas em pequenas e médias propriedades familiares. Nesta ação, a conjugação dos interesses do Estado com o capital privado, visou à reprodução ampliada do capital (YOKOO, 2013, p. 160)”.
26 A própria Companhia Melhoramentos Norte do Paraná enaltece sua ação colonizadora como democrática: “Em 1934, o renome da expansão promovida pela Companhia de Terras já corria muito”. Ecoou no exterior essa fama. Feita de uma pluralidade de raças, sem preconceitos e de forma democrática (CMNP, 1977, p.255)”. Santos (2013) trata da questão da composição das raças em solo paranaense no capítulo Os corpos e a fauna.
27 Esses autores denunciam o projeto de modernização via trabalho enunciado nos projetos iniciais de colonização.
28 Alguns mapas sobre a localização dos TI (Terras Indigenas) dos Kaingang podem ser encontrados em MOTA (2008), p. 40; p. 69; p. 82; p. 141; p. 144; p. 148; p. 150; p. 154; p. 163; p. 166; p. 169.
29 Várias outras pesquisas de Lúcio Tadeu Mota e orientados por ele sobre os índios Guarani, Xetá, Xokleng e Kaingang apresentam a resistência, a luta, mas também a prática de negociação com os expedicionários, jesuítas e o governo para a sua sobrevivência e disputa por terras. Perspectiva que procura tratar o índio como sujeito da sua história.
30 Magalhães divide a história política do Paraná em fases. A primeira como GOVERNO PARA SI (1853 a 1946), a segunda como O GOVERNO PARA OS OUTROS (1946 a 1964) e finalmente O GOVERNO DOS OUTROS (1964 em diante). A redemocratização e o Estado de Bem-Estar Social só serão contestados com o neoliberalismo de Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, uma Nova Ordem Mundial, 1990 (2001, p. 111-112).
31 “Dessa forma, a estratégia da colonização racional se insere em um projeto modernizador do campo, a partir do qual se elabora uma dada memória em consonância com uma dada percepção sobre a questão então colocada, se elabora um futuro desejado e, até mesmo, uma forma como pretendia que suas ações fossem lembradas” (CARVALHO, 2008, p. 101).
32 Sobre Ribas, Lupion, Rocha Netto e o discurso do progresso: “Essas três gestões, vistas em conjunto, e em que pese à rígida polarização entre os candidatos oponentes, não refletem conteúdos de governo muito distintos. No estilo sim posto que Bento veicula imagem de estadista e intelectual, enquanto Lupion, a de homem do povo. Mas no que se refere às políticas de governo, como veremos a seguir, pode-se dizer que se trata de um mesmo partido ou programa. Tanto Lupion quanto Bento Munhoz da Rocha Netto buscam evidenciar o surto de progresso dos anos 40 e 50, bem como o novo papel reservado ao Estado na economia nacional” (MAGALHÃES, 2001, p. 57-58).
33 “Além da política de povoamento e transporte, outros dois grandes setores de investimento do período foram educação e cultura, com ênfase na instrução do homem do campo. Para tanto, celebrou-se, no governo Lupion, convênios com as prefeituras do interior para a construção de aproximadamente 500 escolas primárias com vistas a incentivar o que o governador chamava de formar o mestre de cada região, em sua própria região, de prevenir a evasão escolar e de criar os Cursos Normais Regionais” (ANDREAZZA e TRINDADE, 2001, p. 105).
34 “Dessa forma, mais do que uma natureza cornucópia, há nas fontes abordadas uma certeza dos efeitos positivos da intervenção tecno-científica. Ademais, em ambos os casos, se têm uma tentativa não apenas de intervir sobre coisas, mas principalmente, sobre pessoas. Ambas as estratégias se inserem em um projeto fordista-keynesiano periférico, não apenas porque se trata da intervenção estatal tentando regular a economia, para possibilitar a industrialização, mas porque sua proposta era espraiar sua ação para os mais variados campos da vida social, tentando produzir um trabalhador ordeiro e obediente, um ‘homem novo’, e não um cidadão. Em tal projeto modernizador do sertão há uma série de representações e práticas que acabaram por excluir uma parte da população ao acesso as terras e as florestas. Desta, e de outras formas, o ‘Estado jardineiro’ deslegitima os mecanismos de autoequilíbrio e reprodução das populações” (CARVALHO, 2008, p. 80).
35 Como demonstra sua estratégia de fazer posse, a qual estava amparada por uma dada ordem moral, uma campesinidade, que era articulada com uma ordem econômica, na luta cotidiana de se defender. Tal negociação/resistência/colaboração cotidiana teve efeitos nada desprezíveis no processo geral de colonização dirigida, uma vez que a ação efetiva do Estado na colonização dirigida da região foi, em grande parte, fruto da pressão gerada pelos milhares de posseiros que buscavam fazer posse (CARVALHO, 2008).
36 As principais referências foram Brzezinski (1975), Santos (1995), Veiga (1999), Simionato (2008, 2010), Santos Júnior (2018), dentre outros.
37 Se considera historiografia local as obras que se propõe a contar a história de Campo Mourão, produzidas por escritores locais: uma teóloga-pedagoga, advogados, jornalista e um historiador. São esses livros que são usados como referência para estudar a história do município e região, tanto pela comunidade acadêmica e escolar, quanto pela população local.
38 Uma referência clássica adotada na história para abordar a temática de fronteira, como frente pioneira de expansão econômica “é o trabalho de Fredrick Turner, The significante of frontier in American History (1893)”, que será retomada “para pensar a fronteira em movimento em outros contextos nacionais, incluindo algumas experiências latino-americanas” (Albuquerque e Cardin, 2018, p. 116).
39 O livro foi “proposto pelo Município de Campo Mourão/Secretaria da Mulher e a Fundacam/Museu Municipal, foi um verdadeiro presente para Edina Simionato. Lançado no Dia internacional da Mulher, tem como traço a data de 1903 (data da 1ª mulher agricultora, mãe, chegou aos nossos sertões, indo até 1961, destacando as mulheres em seus diversos segmentos). É uma singela homenagem a todas as mulheres pioneiras que fizeram destes campos um lugar maravilhoso para viver” (SIMIONATO, 2010, p. 390). Conforme a própria autora: “Edina cresceu e viu a cidade se transformar, acompanhando cada passo do nosso progresso. Desde menina já tinha o gosto pela escrita, com poesias, poemas e contos” (2010, p. 389).
40 “As narrativas das mulheres que fazem parte deste livro estão dispostas por ordem cronológica de chegada a Campo Mourão. Procuramos traçar um período que vai datado de 1903 a 1961 (SIMIONATO, 2010, p. 35)”. São informações curtas que apresentam o local de origem dessas mulheres e algum fato ocorrido que para elas é relevante sobre sua vida nos tempos da colonização de Campo Mourão.
41 Essa é uma influência direta dos trabalhos de Turner em autores brasileiros que comparam o Brasil aos Estados Unidos para trabalhar a ideia de fronteira “como movimento histórico de ocupação e domínio do território nacional (...)” (ALBUQUERQUE e CARDIN, 2018, p. 116).
42 Na obra Oratórias históricas de Jair E. Santos Júnior (2009) há uma compilação desses discursos. Em outras obras homenagens e discursos sobre o progresso trazido pelos migrantes se repete.
43 Entendo que já havia uma ocupação dele pelos índios e as intempéries que porventura enfrentariam por desconhecer o local para onde estavam se deslocando.
44 Penso que essa constatação de Certeau (2011b) estende-se como pressuposto para compreender o saber que emana de todas as disciplinas/ciências ligadas a uma organização política.
45 “Seja qual for a historiografia ou etnologia, permanece sempre o sintoma ou a bandeira do meio que a elabora. Isso até mesmo nos seus métodos técnicos. Desse modo, nossa historiografia privilegia os documentos escritos, isto é, interessa-se somente pela categoria social que é homogênea à dos autores e dos leitores dessa história. Na verdade, 99% da população de que falam nossas histórias não escreve. O discurso historiográfico impõe como história da sociedade uma tautologia que faz com que sempre “os mesmos” (aqueles que escrevem) os autores, os leitores e os privilegiados por esses estudos. Todo o “resto” é silenciosamente reprimido por esse círculo do “mesmo” (CERTEAU, 2011b, p. 157).
46 É interessante observar que na história das narrativas sobre a região de Campo Mourão não são só historiados que se prestam a ressuscitação dos mortos, outras ciências também o fazem e alguns segmentos da sociedade mourãoense querem manter os mortos vivos. É preciso lembrar da beleza do morto (Certeau, 2011a).
47 Nas obras de Certeau de 1970 e 1975, segundo Luce Giard, ele “mostrava ele igualmente como o historiador sempre produz a escrita da história a partir do presente, de sua relação com os poderes que o governam, das questões cuja resposta um grupo social procura necessariamente e que ele transporta, a falta de coisa melhor, para o passado para tomar distância ou exorcizar os perigos do presente” (2011, p. 8). Parece-me que as perguntas que me provocaram os questionamentos sobre a produção da historiografia local se encaminham nessa direção ao atingir outros que produzem essa escrita da história local.
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