Chamada de Artigos para Dossiê
Chama de Artigos
Dossiê
Prazo para submissão: 28 de abril de 2025
Historiografia das ditaduras e processos de democratização na era digital no Cone Sul: estado da arte
Daniel Lopes Saraiva (USP)
Nashla Dahás (UFGD)
Ementa:
A historiografia dedicada aos autoritarismos e aos processos de democratização vem enfrentando desafios epistemológicos, ético-políticos e jurídicos no século XXI. Entre eles, destacamos dois: o enaltecimento dos regimes de exceção - que oscila entre a negação objetiva das ditaduras e a difusão de narrativas fraudulentas da história desse período (Dahás, Gomes, 2023) - e a preocupação acadêmica com as novas formas de escrita e divulgação da História, dado o avanço das mídias digitais e da internet sobre o ofício do\a historiador\a (Lucchesi, 2014). Embora esta não seja a primeira crise da disciplina, pesquisadores\as apontam o alcance social atingido pelos usos negacionistas do passado e suas falsificações sem precedentes nas últimas décadas (Avelar, 2025). Nessas circunstâncias, este dossiê busca reunir trabalhos que possam evidenciar o estado da arte do campo historiográfico no Cone Sul, especialmente no que concerne aos seus modos de fazer, às evidências documentais em voga e às abordagens que se mostram eficazes na intersecção com a história digital e seus desdobramentos sobre o conhecimento e o papel social da História e dos\as historiadores\as (Rosenzweig, 2011).
No centro desse debate acadêmico e público estão, portanto, os golpes, ditaduras militares e processos de democratização que atingiram o Cone Sul na segunda metade do século XX, deixando rastros do que se convencionou chamar de passado-que-não-passa (Rousso, 2016). Por um lado, as experiências e estudos voltados para as comissões da verdade, memória e justiça acompanharam a inscrição frágil (Pereira, 2015) de certa sensibilidade social em relação à violência de Estado e às responsabilidades daí decorrentes; por outro, simultaneamente, assistimos ao crescimento de uma gramática neoliberal com suas práticas voltadas para a rejeição das políticas de memória e de seus efeitos psíquicos sobre a sociedade. Na contramão desse estado de coisas, a historiografia alça o testemunho a elemento incontornável da História do Tempo Presente (Araújo, 2020), assumindo o compromisso não apenas com o rigor teórico e metodológico de sua produção, mas com o reconhecimento de nossa responsabilidade coletiva sobre as práticas violentas que aconteceram e que se perpetuam devido ao desconhecimento ou à indiferença em relação a elas (Rovai, 2014).
Assim, este dossiê busca apresentar e discutir as questões centrais que ocupam a historiografia do Cone Sul dedicada a esse passado recente em associação com a realidade contemporânea que tem levado historiadores\as à preocupação com a divulgação em História, com o combate aos negacionismos, com a atuação dos grupos não representados pela “História disciplinada” (Lima; Nicolazzi; Turin, 2019) ou com aqueles capazes de subvertê-la. Ainda nesse escopo, esperamos a contribuição de pesquisas que permitam mapear fontes e apontar metodologias para o ensino-aprendizagem da história das ditaduras; que abordem o crescimento dos acervos digitais e sua capacidade de conexão transnacional; e, também, que se dediquem ao estudo dos grupos e projetos revolucionários, narrados em meio à Era digital, considerando os modos singulares de lembrar, banalizar e esquecer desse novo tempo.
Referências
ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. História Oral e memória da ditadura militar: O papel dos testemunhos. In: GOMES, Ângela de Castro. História oral e historiografia: questões sensíveis. São Paulo: Letra e Voz, 2020.
AVELAR, Alexandre. Une question de théorie de l’histoire ? Réévaluer le négationnisme à travers une brève lecture de Jacques Rancière. Geschichtstheorie am Werk. Fev. 2025.
ÁVILA, Arthur; NICOLAZZI, Fernando; TURIN, Rodrigo. (Orgs.) A História (in)disciplinada: teoria, ensino e difusão do conhecimento histórico. Vitória: Editora Milfontes, 2019.
DAHÁS, Nashla; GOMES, Paulo César. Reação ou transformação? Impressões sobre o estado atual da história (pública) contra os negacionismos. In: RODRIGUES, Rogério Rosa (et al.) História: usos do passado, ética e negacionismos. São Paulo: Pimenta Cultural, 2023.
LUCCHESI, Anita. Por um debate sobre História e Historiografia Digital. Boletim Historiar, [S. l.], n. 2, 2014.
PEREIRA, Mateus H. F. Nova direita? Guerras de memória em tempos da Comissão da Verdade (2012-2014). Varia hist., Belo Horizonte, v. 57, pág. 863-902, dezembro de 2015.
ROSENZWEIG, Roy. Clio wired: o futuro do passado na era digital. Nova York: Columbia University Press, 2011.
ROUSSO, Henry. A última catástrofe: a história, o presente, o contemporâneo. Trad. Fernando Coelho e Fabrício Coelho. Rio de Janeiro: FGV, 2016.
ROVAI, Marta. A greve no masculino e no feminino: Osasco, 1968. São Paulo: Letra e Voz, 2014.
Organizadores\as
Daniel Lopes Saraiva é doutor em História pela UDESC e atua como pós-doutorando na Universidade de São Paulo (USP), com bolsa do CNPq - Chamada CNPq Nº 32/2023 - Pós-Doutorado Júnior - PDJ 2023. Suas publicações versam sobre as relações entre história e cultura durante a ditadura militar de 1964, com destaque para a produção musical e audiovisual no período.
Nashla Dahás é doutora em História Social pela UFRJ, com pós-doutorado em História do Tempo Presente pela UDESC. Atua como professora visitante no PPGH-UFGD e possui publicações na área de história e memória das esquerdas revolucionárias no Brasil e no Chile.